domingo, 13 de outubro de 2019

Resenha: A Intérprete / Annette Hess


Visceral. Necessário. Incrível. Um dos melhores livros do ano. Não me faltam adjetivos para esse livro. Annette Hess nos faz sentir um turbilhão de emoções junto com os seus personagens, até onde vai a crueldade humana? Existe justiça? Qual é o preço de saber toda a verdade sobre o seu passado? E qual o preço de viver numa bolha?

Ambientado na Alemanha ocidental, nos anos 1960 durante o julgamento dos envolvidos em Auschwitz, conhecemos Eva Bruhns, uma jovem alemã, com seus vinte e poucos anos, intérprete de polonês. Ela tem uma família amável, um bom emprego e principalmente um pretendente rico. Tudo que ela mais ansiava era um pedido de casamento, seus problemas rodavam em torno das perguntas: será que ele vai gostar da minha família? Será que a família rica dele irá me aceitar? Será que ele me ama?

Seu mundo cor de rosa começa a ganhar tons de cinza quando ela é convocada para traduzir relatos de testemunhas no julgamento de Auschwitz, já no primeiro dia ela fica horrorizada. Como tudo aquilo pôde acontecer? Como o ser humano é capaz de fazer tantas atrocidades com seu semelhante? Aqueles homens sentados no banco dos réus são verdadeiros monstros, como podem estar livres? Como podem sorrir?

Ela percebe que conforme vai se apegando às testemunhas e buscando respostas sobre o seu próprio passado e o das pessoas ao seu redor, vai se tornando uma párea na sua família. O passado, todos querem esquecer, querem guardar a sete chaves, mas ela não vai desistir enquanto não puder trazer um mínimo de justiça que seja para todas aquelas pessoas que perderam tudo no campo de concentração.

“Eva tentou imaginar aquilo: dez mil mulheres crianças, homens. Dez mil pessoas enfraquecidas, que, uma após a outra, subiam em caminhões e desapareciam. A única coisa que ela conseguia imaginar era a esperança delas de tomar uma ducha quente e ganhar um pedaço de pão.”

É muito interessante acompanhar o amadurecimento da Eva, ela que no início do livro era uma jovem que sonhava em ter um marido para lhe guiar, se torna uma mulher forte e decidida de seus desejos, que não aceita mais que digam o que deve fazer. Ela percebe que o mundo pode ser muito obscuro e chega ao ponto de se perguntar por que a sua vida vale mais do que uma daquelas pessoas que foram assassinadas pelos nazistas.  Ela se torna uma pessoa chata, aquela que pergunta demais, observa demais, era tão mais fácil para todos quando ela estava em sua bolha...

“Tivera que ouvir reprovações da mãe, e olha que, no início ela era contra Jürgen. Também da irmã, que não entendia como Eva punha em risco sua ‘carreira de esposa de executivo’. Por um trabalho de tradução”

A gente segue vendo ao mesmo tempo os julgamentos e a vida da Eva e de todos ao seu redor, tem aquelas pessoas que fazem caridade como forma de recompensar erros do passado, tem aquelas que tentam esconder a todo custo o que fizeram e se tornam pessoas amarguradas, tem quem apenas desejam falar o que sabem para que todos saibam do que aconteceu, tem quem só consegue viver vendo o sofrimento alheio. As questões éticas e morais ficam saltando aos olhos, o que você faria se estivesse no lugar deles?

“- Eles? Quem eram eles? E vocês? Quem eram vocês? Faziam parte daquilo. Vocês eram como eles! Vocês tornaram aquilo possível. Não mataram, mas permitiram que matassem. Não sei o que é pior. Digam-me: o que é pior?”

Tem alguns trechos muito pesados, que a gente precisa para de ler para respirar. Tem citações literais do processo. E a leitura é muito fluida, li muito rápido com vontade de saber o desenrolar da história. É um livro muito importante para os nossos tempos, já que apenas conhecendo e compreendendo o nosso passado podemos entender o presente.

“Não é Deus o responsável pelo sofrimento no mundo. É o ser humano. Como você pôde permitir algo assim?”



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