sexta-feira, 28 de maio de 2021

Resenha: Caçadas de vida e de morte / João Gilberto Rodrigues da Cunha

 Verdadeiras lições sobre vida, morte e Brasil. Para as pessoas comuns, não importava se Império ou República, a vida só seguia, como segue até hoje. Por mais que fosse o fim dos imperialistas e fim da dureza dos coronéis, a República continuou permitindo a continuidade das mesmas práticas, como, por exemplo, o curral eleitoral, é muito interessante na leitura revisitar a História do Brasil através das caçadas criadas pelo João Gilberto. 

“Peões também jogam xadrez, e às vezes lhes cabem jogadas decisivas, até um xeque mate.”


No início eu achei meio chato, cansativo de ler, são gírias diferentes, nomes parecidos, mas quando todos os personagens são apresentados e a gente se habitua a linguagem utilizada pelo autor, a leitura voa. Eu senti uma necessidade muito grande de ver alguma justiça acontecendo, para todos os crimes que foram cometidos, por isso que chega um ponto do livro que fica muito eletrizante, impossível largar. 

“As terras não tinham dono nem ocupação, as sesmarias eram tituladas no papel, a região do Triângulo nem sabia direito se era Minas, São Paulo ou Goiás, de tanta gente de tanto lugar diferente ali chegando e acampando.”

Tonho Pólvora partiu para o Desemboque com o objetivo de trabalhar, ter sua própria fazenda e fazê-la crescer, ele é um homem simples, não pensa em ter fortuna, pensa na terra, no gado. Ao lado dele vão Zé Brilino e Zé Anjo, o primeiro um velho sábio e o segundo uma espécie de aprendiz. Eles formam uma família fora dos padrões, onde Zé Brilino sempre tem muitas lições seja sobre cavalos, burros ou mesmo sobre a vida. Foi incrível aprender com ele, parecia um avô nos contando suas histórias. Deixo uma de suas lições:

“Tem povo que é igual a dourado e piapara, cheio de escama, de força e valentia, vem logo à flor da água, pula para fora, afunda feito doido, gasta a energia, aí entrega rápido para morrer. Tem gente igual a peixe de couro, Zé Anjo. Vive mais por baixo, experimenta a isca, anzol e pescador, mesmo ferrado busca defesa em ramo de enrosco, parece entregar para distrair, logo afunda de novo, até para morrer na canoa o bicho é demorado. Na pescaria da vida, põe tendência nisso. Veja e estude o peixe que vai pescar. O jeito e o trato variam, se for de couro ou de escama...”

Em São Paulo José Antônio preparou e efetuou um golpe na empresa onde trabalhava, ele fazia qualquer coisa para ter fortuna, qualquer coisa. Com o objetivo de ser rico e poderoso ele se muda para o interior, encontra no Desemboque um local para criar um entreposto comercial. Ele vai ficando mais rico, mas nunca satisfeito. Sempre precisa de mais dinheiro, mais poder a sua única moral é favorecer a si mesmo. 

Manuel Crispim, um policial-caçador, nunca perdia um bandido, tinha um senso de justiça muito bem apurado. A vida lhe dá muitas cicatrizes, ele se torna o homem de uma missão: encontrar um bandido que roubou uma empresa em São Paulo e desapareceu pelo Brasil, Crispim vai atrás dele não se importando se nessa caçada ele perca toda a sua própria vida. 

Coronel Macedo, a figura que representava desde de polícia, juiz e executor da sentença no Desemboque, estava perdendo suas forças, imperialista via os seus anos de glória ficando para o passado, tudo que ele deseja são bons casamentos para suas filhas Mariita e Ana, ambas que são muito diferentes, Mariita ama festas e flertar com os rapazes, enquanto Ana sabe como comandar a fazenda (melhor até que muitos homens). 

“No interior os fatos políticos se passaram de forma menos sentida, anestesiada pela distância, deficiência de informação e comunicação. Muita gente aplaudiu a República sem saber o que ela era ou significava, apenas pelo que dela diziam os novos arautos da fauna política que iria progressivamente crescer e dominar o país.”

O Desemboque se torna um palco onde a vida de todos os personagens vai se entrelaçar, ora sendo caça ora sendo caçador.

A vida no interior do país no final do século XIX era uma vida sofrida, não havia lei ou Constituição que fosse forte o suficiente para assegurar a vida, o mais forte ou o mais bem armado levava vantagem, seja a arma uma pistola ou ameaças.


“Assim se faz a história. Nem sempre dos fatos queridos e planejados, muitas vezes da sorte ou acaso, ou do que árabes e fatalistas chamam de destino”

Nenhum comentário:

Postar um comentário