segunda-feira, 8 de julho de 2024

Resenha: Enterre seus mortos / Louise Penny

 “Enterre seus mortos” é o sexto livro da série do Inspetor Gamache e uma imersão na História do Canadá. Ao mesmo tempo que temos três mistérios acontecendo, Louise Penny nos presenteia com uma verdadeira aula sobre Quebec e diversas questões que envolvem conflitos entre ingleses e franceses que se perpetuam desde da fundação do país. É um sobre sobre o passado, tanto do Canadá, quanto da própria série de livros e como se reconciliar com ele. 

Temos três casos:

Caso 1: Aquele que deu errado, envolvendo o Agente Morin. 

Caso 2: O assassinato do arqueólogo Augustin Renaud

Caso 3: O caso reaberto em Three Pines

Esse é o primeiro livro da série que não estamos intensamente no pequeno vilarejo de Three Pines. O Inspetor Gamache está passando uma temporada com seu antigo mentor, Émile, na Velha Quebec, se recuperando de um baque. Algo muito grave aconteceu com ele e sua equipe e nós leitores não fazemos ideia do que seja, apenas que foi muito sério, com mortes na equipe policial e que gerou um trauma bem grande, ao longo de todo livro vamos recebendo algumas pistas, até entender tudo apenas no final, e é bem chocante. 

“Como a mesma pessoa podia ser amável e cruel, compassiva e deplorável. Desvendar um assassinato dependia mais de conhecer as pessoas do que de encontrar evidências. Pessoas que eram perversas e contraditórias e que muitas vezes nem conheciam a si mesmas.”

É claro que como nada nunca é simples na vida do nosso querido inspetor Gamache, lá na velha Quebec ocorre um assassinato. O arqueólogo Augustin Renaud é encontrado morto no porão da Sociedade Literária e Histórica, ele era conhecido por pesquisar e buscar onde teria sido enterrado o corpo de Samuel de Champlain, conhecido como o fundador de Quebec. Acontece que Renaud era visto como um charlatão e nunca fora aceito nas comunidades dos estudiosos, mas se de fato ele era apenas um charlatão, por que ele fora assassinado? O que será que ele encontrou?

E mesmo tendo ido à Velha Quebec para se recuperar, o Gamache acaba sendo convidado para ajudar extraoficialmente nas investigações, que o leva à dois grupos: o Conselho da Sociedade Literária e Histórica e a sociedade Champlain. 

“Muito do que conhecemos como história não é verdadeiro. O senhor sabe disso, eu sei disso. A história serve a um propósito. Eventos são exagerados, heróis são fabricados, objetivos são reescritos para parecerem mais nobres do que eram na realidade. Tudo para manipular a opinião pública, para criar um propósito ou um inimigo comum. E qual é o pilar de um movimento genuinamente grandioso? Um símbolo poderoso. Destrua ou manche esse símbolo e tudo começa a desabar, tudo começa a ser questionado. Isso não pode acontecer.”

A Sociedade Literária e Histórica é da comunidade inglesa e é uma espécie de guardiã da cultura inglesa no Quebec. Por muitos anos recebeu uma quantidade enorme de livros que foram se amontoando na biblioteca, os recursos para gerir tudo estavam cada vez mais escassos. Em uma tentativa de obter renda, a biblioteca já promovera venda de livros, o que gerou muita polêmica. Ela era administrada pelo conselho, que era composto em sua maioria por senhores e senhoras já com idades avançadas. Todos são suspeitos e poderiam ter interesse na morte do Renaud.

Assim como os membros da Sociedade Champlain, que os guardiões da comunidade francesa e estudiosos aclamados quanto se trata do fundador, eles nunca aceitaram Renaud, muito pelo contrário sempre o trataram como uma piada, mas será que um deles seria capaz de matar o arqueólogo apenas por ser um fanático, ou será que havia mais segredos envolvidos.

Juntando ambos os grupos temos um rol de personagens suspeitos, e ao lado do Gamache vamos ao mesmo tempo conhecendo cada um deles e descobrindo mais sobre o passado do Canadá.

Enquanto isso, em Three Pines, o braço direito do Gamache, o inspetor Jean-Guy Beauvoir, também está se recuperando física e mentalmente, e depois de um pedido do chefe, ele vai até o vilarejo e buscar mais informações sobre o Eremita, a princípio com a desculpa de estar apenas passando férias ali, investigando ‘debaixo dos panos’. No livro anterior da série ‘É proibido matar’, um personagem foi acusado de ser o assassino do Eremita, foi condenado e está cumprindo pena. Porém, Gamache sente que errou nessa investigação e caso isso seja verdade, temos um assassino a solta e quem será ele ou ela? Qual foi sua motivação? A motivação para o Gamache pensar em reabrir o caso, foi devido a cartas enviadas constantemente pelo marido do suposto assassino ao inspetor, cartas que continham a seguinte pergunta: por que mover o corpo? Se o assassino fosse de fato o assassino por que colocar o corpo num local onde todos o encontrariam, não seria mais fácil apenas ‘se livrar’? Descobrir quem de fato é o assassino tem um plot twist gigante e que envolve tanto o livro atual, quanto o anterior.

E por fim, o caso que deu errado: ao longo do livro temos diversas conversas do Gamache com o agente Morin. A princípio é um pouco confuso, mas aos poucos vamos entendendo que é ao mesmo tempo lembranças e um trauma que se tornou presente na vida do inspetor. E o título do livro envolve muito esse caso, sobre conseguir superar o que aconteceu, não ficar revivendo o tempo todo. Não irei contar o que acontece porque é bem impactante e foi incrível descobrir aos poucos lendo.

“Aquela era, muitas vezes, a equação: abrir mão de alguns para salvar muitos. De longe, parecia tão simples, tão claro... Entretando, de longe é possível enxergar a situação como um todo, mas não toda a situação. Faltam os detalhes. Não se enxerga tudo a distância.”

O Gamache não é imbatível, ele pode errar. E ele errou. Durante todos os outros cinco livros nós conhecemos um inspetor meio que ‘a prova de balas’, parecia que nada de ruim poderia acontecer com ele ou com a equipe dele. Parecia que ele sempre conseguiria desvendar os casos mais obscuros, sempre chegando ao assassino, sempre conseguindo salvar todo mundo, mas não. ‘Enterre seus mortos’ tem um Gamache catando seus próprios cacos para se recolocar de pé. E isso me fez gostar ainda mais da série e do inspetor, nada mais humano do que os nossos próprios erros, né? 

“As coisas são mais fortes no ponto em que estão quebradas. Não se preocupe.”

O livro inteiro é repleto de citações de lugares que existem de verdade, eu me senti viajando por Quebec, assim como eu sinto que já saberia andar pelas ruas de Three Pines, dessa vez parece que passei algumas semanas no Canadá, descobrindo mais sobre a História do país. 


Confira as resenhas dos livros anteriores:

1- Natureza Morta

2- Graça Fatal

3- O mais cruel dos meses

4- É proibido matar

5- Revelação Brutal

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