sábado, 19 de abril de 2025

Resenha: O belo mistério / Louise Penny

Como desvendar um assassinato que ocorreu num lugar onde ninguém pode prestar depoimento, porque não podem falar? Estão em voto de silêncio.

O belo mistério envolve música: monges e cantos gregorianos. Louise Penny nos leva para um lugar remoto e de localização não muito precisa, oculto no meio de muita névoa, após uma travessia pela água, nós chegamos ao mosteiro. Local de um crime.

Esse livro me respondeu à pergunta que eu tinha feito lendo livros anteriores, como tantas mortes podem ocorrer em Three Pines? Dessa vez, a gente saiu de lá e foi incrível. Conhecer esse novo ambiente, ver o Gamache longe de todas aquelas pessoas que já se tornaram amigos dele. E não confiar em ninguém. A maior surpresa, foi que até mesmo a vida do próprio inspetor vai ficar em risco. 

Monges silenciosos, que mesmo sem o voto em vigor não sabem muito bem se expressar com palavras, mas eles cantam. O canto gregoriano que está no cerne de tudo, ao mesmo tempo que foi uma benção, também foi o que fez com que o mosteiro se dividisse.

A música faz parte da vida dos monges, é através dela que eles se conectam com a sua própria fé e se sentem mais próximos de Deus. Não é apenas uma música para eles. As coisas começaram a mudar quando eles realização uma gravação, que viralizou, então mesmo que os monges não fossem conhecidos e muito menos a sua localização, as suas vozes encantaram o mundo inteiro e isso gerou uma renda nunca vista antes para o mosteiro.

“Era como se o canto gregoriano entrasse no corpo das pessoas e rearranjasse o DNA delas, de modo que se tornassem parte de tudo à sua volta. Já não havia mais raiva, competição, vencedores ou perdedores. Tudo era esplêndido e igual. E todos estavam em paz.”

As vozes chegaram no nosso inspetor Gamache, ele tinha um CD com a gravação e as achava as divinas, mal sabia ele que teria que investigar o assassinato de uma delas.  E é assim que Gamache e Beauvoir irão precisar passar uma temporada em um lugar distante, um lugar que não aceita visitantes, o mosteiro de Saint-Gilbert-Entre-les-Loups, escondido nas florestas do Quebec.

Lá eles encontram um corpo, o do prior, Frère Mathieu, o regente do coro, e teremos 23 suspeitos. Logo descobrimos que o mosteiro estava divido entre tradição e modernidade, os ‘homens do abade’ vs os ‘homens do prior’, os que não queriam nova gravação, pensavam que deveriam respeitar as tradições milenares e aqueles que queriam quebrar o voto de silêncio e levar suas vozes para o mundo.

“Os gilbertinos tinham sobrevivido à Reforma, à Inquisição. Tinham sobrevivido a quatrocentos anos na mata. Mas finalmente haviam sido encontrados. E abatidos. E a arma usada fora exatamente o que eles queriam proteger: o canto gregoriano.”

Quem é o monge assassino?

Conforme vamos lendo, todos eles têm motivos. É impossível não suspeitar de todos, e descobrir que os alicerces do mosteiro estão podres e que essa informação não foi divulgada a todos, coloca ainda mais suspeitas em alguns monges, vou falar um pouco de alguns deles aqui:

♬Dom Philippe: o abade de Saint-Gilbert. Quem chamou a polícia até lá e quem também é o primeiro maior suspeito, ele é fiel às tradições e ao contrário do prior, não queria uma nova gravação.

Frère Luc: o porteiro. Ele é o monge mais jovem entre todos e guardava a entrada e saída do mosteiro, será que ele deixou alguém de fora entrar?

Frère Charles: o médico. Ele tinha acesso a todos os medicamentos e tratava todos os monges, ele saberia como esconder é um assassino, conhecimento ele tem.

Frère Raymond: o engenheiro, ele cuida das instalações e do sistema geotérmico do mosteiro, ele sabia que reformas estruturais são necessárias e que será preciso muito investimento nisso.

Frère Simon: o secretário do abade, ele é um confidente do abade e um ótimo suspeito, já que faz tudo para o interesse do Dom Phillippe, se livrar do prior era o interesse...

Frère Antonie: o único que bate de frente com o abade, e foi o solista da gravação do CD.

Neumas, notas musicais, fé, ganancia, Intrigas, segredos, mentiras... É possível confiar nos monges? Isso é o que Gamache fica se perguntando toda vez que faz questionamentos a algum dos monges, será que estão contando a verdade? Eles estão se protegendo? Quem está protegendo quem?

"O rei morreu, vida longa ao rei"

Esse ditado foi repetido algumas vezes durante o livro e é uma ótima reflexão sobre o fato de que a vida sempre continua, não importa o quão importante você seja ou acha que é. O mundo continua a girar independente de sua existência nele. Mesmo tendo uma voz muito exclusiva, ou sendo uma pessoa genial ou mesmo tão importante quanto um rei, com a morte, essa pessoa será substituída. É interessante pensar sobre a nossa própria insignificância perante o fluir da vida humana. 

O passado ainda segue presente, traumas de livros anteriores ainda ecoam tanto no Gamache quanto no Beauvoir, e a chegada inesperada do superior do Gamache no mosteiro, faz com que a bonita relação entre o inspetor e seu fiel agente fique estremecida. Beauvoir não sabe mais se pode confiar no chefe e a suspeita sobre a índole do Gamache vai ir o corroendo, até um ponto que ele não vai conseguir controlar. 

Os livros do Gamache nunca param de me surpreender positivamente. Ler “O belo mistério” foi como ir saboreando o meu doce favorito sem querer que ele acabe, fui lendo devagar e refletindo sobre todas as questões que foram levantadas. Nunca é apenas descobrir quem matou, a jornada até a descoberta é o que deixa o livro incrível. O mergulho no canto gregoriano, ir conhecendo os monges e perceber que todos ali tem conflitos próprios e podem nos ensinar muito, mesmo sem dizer nada fez com que esse se tornasse um dos meus livros favoritos da série. 

“Eu acho que, quando a gente se importa com alguém, tenta proteger o outro – disse Gamache, escolhendo as palavras com cuidado. – Mas, às vezes isso é como bloquear um goleiro em um jogo de futebol ou hóquei: em vez de proteger o jogador, você só faz com que seja mais difícil para ele ver a ameaça que está vindo. E o mal é causado. Por engano.”


 Confira as resenha dos outros livros da série:

1- Natureza-morta

2- Graça Fatal

3-O mais cruel dos meses

4- É proibido matar

5- Revelação brutal

6- Enterre seus mortos

7- Um truque de luz

8- O belo mistério

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